quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Contemporâneos de Vieira





Gregório de Matos (1636-1695), poeta contemporâneo de Padre António Vieira, conhecido por  boca do inferno pela sua ousadia ao criticar a Igreja Católica, muitas vezes ofendendo padres e freiras.

 
Tristes sucessos, casos lastimosos,
Desgraças nunca vistas, nem faladas.
São, ó Bahia, vésperas choradas
De outros que estão por vir estranhos
Sentimo-nos confusos e teimosos
Pois não damos remédios as já passadas,
Nem prevemos tampouco as esperadas
Como que estamos delas desejosos.
Levou-me o dinheiro, a má fortuna,
Ficamos sem tostão, real nem branca,
macutas, correão, nevelão, molhos:
Ninguém vê, ninguém fala, nem impugna,
E é que quem o dinheiro nos arranca,
Nos arrancam as mãos, a língua, os olhos.

 
Conselhos a qualquer tolo 
para parecer fidalgo, rico e discreto
Bote a sua casaca de veludo,
E seja capitão sequer dois dias,   
Converse à porta de Domingos Dias,   
Que pega fidalguia mais que tudo.   

Seja um magano, um pícaro, um cornudo,
Vá a palácio, e após das cortesias   
Perca quanto ganhar nas mercancias,
E em que perca o alheio, esteja mudo.   

Sempre se ande na caça e montaria,   
Dê nova solução, novo epíteto
E diga-o, sem propósito, à porfia;   

Quem em dizendo: "facção, pretexto, efecto".
Será no entendimento da Bahia
Mui fidalgo, mui rico, e mui discreto.

Livros sobre Padre António Vieira



A Oratória Barroca de Vieira, de Margarida Vieira Mendes
o estudo mais completo da obra oratória de Vieira


Da mesma estudiosa, uma edição comentada de alguns sermões:


Índios do Brasil



Índios do Brasil, Quem São Eles?
o preconceito e a ignorância continuam ainda hoje

Vieira profeta


 O Quinto Império


“Vio Nabucodonosor aquella prodigiosa estatua, que representava os quatro Impérios dos Assírios, dos Persas, dos Gregos e dos Romanos; o corpo estala descuidado, com os sentidos presos, & a alma andava cuidadosa, levantando, derrubando estatuas, fantasiando Reynos, Monarquias. Mais fazia Nabucodonosor dormindo, que acordado: porque acordado cuidava no governo de hũ Reyno, dormindo imaginava na sucessão de quatro. Pois se Nabuco era Rey dos Assírios, quem o metia com o Império dos Persas, com o dos Gregos, com o dos Romanos? Quem? A obrigação do officio que tinha. Era Rey, quem quer conseruar o Reyno próprio hade sonhar com os estranhos."
 
VIEIRA, Serman do Esposo da May De Deos S. Joseph

A referência ao Quinto Império surge na Bíblia e torna-se mito nas interpretações que sucederam ao longo dos tempos. Em Portugal, Bandarra (1500?-1556), Padre António Vieira (1608-1697) e Fernando Pessoa (1888-1935) reformulam o mito.

De acordo com a Bíblia, Nabucodonosor, rei da Babilónia (604-562 a.C.), queria que os sábios lhe revelassem o sonho que tivera e a sua interpretação. O sonho envolvia uma enorme estátua com cabeça de ouro, peito e braços de prata, ventre e ancas de bronze, pernas de ferro e pés de barro, à qual uma grande pedra, que se desprendeu da montanha, triturou os pés, fazendo tudo em pedaços. Foi o profeta Daniel que lho revelou e decifrou, mostrando-lhe que o nascimento e a queda de impérios acontecem pela vontade de Deus, embora pareça dos homens essa missão. Diz Daniel (2:37-44): "Tu que és o rei dos reis, a quem o Deus dos céus deu a realeza, o poder, a força e a glória; a quem entregou o domínio, onde quer que eles habitem, sobre os homens, os animais terrestres e as aves do céu, tu é que és a cabeça de ouro. Depois de ti surgirá um outro reino, menor que o teu; depois um terceiro reino, o de bronze, que dominará sobre toda a terra. Um quarto reino será forte como o ferro" e, mais à frente, "No tempo destes reis, o Deus dos céus fará aparecer um reino que jamais será destruído e cuja soberania nunca passará a outro povo". Daniel profetizou que depois da grandiosidade do império da Babilónia, sucederiam outros, que de acordo com as interpretações mais correntes são o Medo-Persa, o da Grécia e o de Roma, sendo o Quinto Império universal.

Padre António Vieira, ao desenvolver o mito do Quinto Império, considera que, depois desses grandes impérios liderados por Nabucodonosor (da Babilónia ou dos Assírios), por Ciro (da Pérsia), por Péricles (da Grécia) e por César (de Roma), chegará o Império Universal Cristão, o Quinto Império, liderado pelo Rei de Portugal. Diz Vieira em História do Futuro: "Chamamos Império Quinto ao novo e futuro que mostrará o discurso desta nossa História; o qual se há de seguir ao Império Romano na mesma forma de sucessão em que o Romano se seguiu ao Grego, o Grego ao Persa e o Persa ao Assírio".

Fernando Pessoa, na obra Mensagem, anuncia um novo império civilizacional, que, como Vieira, acredita ser o português. O "intenso sofrimento patriótico" leva-o a antever um império que se encontra para além do material.

(...)
Grécia, Roma, Cristandade, 
Europa – os quatro se vão 
Para onde vai toda idade. 
Quem vem viver a verdade
Que morreu D. Sebastião?

Pessoa, Mensagem
 
 Para o Poeta, "A esperança do Quinto Império, tal qual em Portugal a sonhamos e concebemos, não se ajusta, por natureza, ao que a tradição figura como o sentido da interpretação dada por Daniel ao sonho de Nabucodonosor. Nessa figuração tradicional, é este o seguimento dos Impérios: o Primeiro é o da Babilónia, o Segundo o Medo-Persa, o Terceiro o da Grécia e o Quarto o de Roma, ficando o Quinto, como sempre, duvidoso. Nesse esquema, porém, que é de impérios materiais, o último é plausivelmente entendido como sendo o Império de Inglaterra. Desse modo se interpreta naquele país; e creio que, nesse nível, se interpreta bem. Não é assim no esquema português. Esse, sendo espiritual, em vez de partir, como naquela tradição, do Império material de Babilónia, parte, antes, com a civilização que vivemos, do Império espiritual da Grécia, origem do que espiritualmente somos. E, sendo esse o Primeiro Império, o Segundo é o de Roma. O Terceiro o da Cristandade, e o Quarto o da Europa – isto é, da Europa laica de depois da Renascença. Aqui o Quinto Império terá de ser outro que o inglês, porque terá de ser de outra ordem. Nós o atribuímos a Portugal, para quem o esperamos." (Textos transcritos por António Quadros, em Fernando Pessoa, Iniciação Global à Obra)
 

A crença no Quinto Império persegue Fernando Pessoa, como se vê pela entrevista a Alves Martins (1897-1929) em Revista Portuguesa, nº 23-24, de 13 de outubro de 1923, onde à questão sobre o que calcula que seja o futuro da raça portuguesa, responde: "O Quinto Império. O futuro de Portugal – que não calculo, mas sei – está escrito já, para quem saiba lê-lo, nas trovas do Bandarra, e também nas quadras de Nostradamus. Esse futuro é sermos tudo."
 
Desde o tempo das descobertas, com o conhecimento de novos mundos, que colocaram Portugal como referência obrigatória, sempre houve uma crença de perenidade e de uma missão civilizadora. Daí Fernando Pessoa, como o fizera Vieira, procurar atestar a sua grandiosidade e o valor simbólico do seu papel na civilização ocidental, acreditando no mito do Quinto Império. Ao longo da Mensagem, sobretudo da terceira parte, Pessoa exprime a sua conceção messiânica da história e sente-se investido no cargo de anunciador do Quinto Império, que não precisa de ser material, mas civilizacional.





NON




Terrível palavra é o NON. Não tem direito nem avesso: por qualquer lado que o tomeis, sempre soa e diz o mesmo. Lede-o do princípio para o fim, ou do fim para o princípio, sempre é NON. Quando a vara de Moisés se converteu naquela serpente tão feroz, que fugia dela porque o não mordesse, disse-lhe Deus que a tomasse ao revés, e logo perdeu a figura, a ferocidade e a peçonha. O NON não é assim: por qualquer parte que o tomeis sempre é serpente, sempre morde, sempre fere, sempre leva o veneno consigo. Mata a esperança que é o último remédio que deixou a natureza a todos os males. Não há correctivo que o modere nem arte que o abrande, nem lisonja que o adoce. Por mais que o enfeiteis, um NÃO sempre amarga; por mais que o enfeiteis, sempre é feio; por mais que o doireis, sempre é ferro.

NON, Terrível palavra é o NON

Sobre Vieira






                                                      António Vieira

                                                      O céu estrela  o azul e tem grandeza.

                                                      Este, que teve a fama e a gloria tem,
                                                      Imperador da língua portuguesa,
                                                      Foi-nos um céu

                                                      No imenso espaço seu de meditar,
                                                      Constelado de forma e de visão,
                                                      Surge, prenúncio claro do luar,
                                                      El-Rei D. Sebastião.

                                                      Mas não, não é luar: é luz do etéreo.

                                                      É um dia; e, no céu amplo de desejo,
                                                      A madrugada irreal do Quinto Império
                                                      Doira as margens do Tejo.

                                                      Fernando Pessoa,
Mensagem

Cinema sobre Vieira


Palavra e Utopia (2000)
filme de Manoel de Oliveira 
sobre a vida de Padre António Vieira

Filme completo: 

Edições de Padre António Vieira




Lista das Obras Publicadas por Vieira:


Sermoens do P. Antonio Vieyra da Companhia de Iesv, prégador de Sua Alteza: primeyra parte. Dedicada ao Principe, N.S.. Lisboa, Ioam da Costa, 1679, (v.1)

Sermoens do P. Antonio Vieyra da Companhia de Iesv, prégador de Sua Alteza: segunda parte. Dedicada no panegírico da Rainha Santa ao Sereníssimo Nome da Princesa N.S.D. Isabel. Lisboa, Miguel Deslandes, 1682, (v.2)

Sermoens do P. Antonio Vieyra da Companhia de Iesv, prégador de Sua Alteza: terceira parte. Lisboa, Miguel Deslandes, 1683, (v.3)

Sermoens do P. Antonio Vieyra da Companhia de Iesv, prégador de Sua Alteza: quarta parte. Lisboa, Miguel Deslandes, 1685, (v.4)
 
Maria Rosa mystica: excellencias, poderes, e maravilhas do seu rosario, compendiadas em trinta sermoens asceticos, & panegyricos sobre os dous evangelhos desta solennidade novo & antigo; offerecidas a soberana magestade da mesma senhora pelo P. Antonio Vieira, da Companhia de Jesv da Província do Brasil, em comprimento com hum voto feito, & repetido em grandes perigos da vida, de que por sua immensa benignidade, & poderosissima intercessao sempre sahio livre. I parte, Lisboa, Miguel Deslandes, 1686, (v.9)
 
Maria Rosa mystica (...). Lisboa, Impressão Craesbeeckiana, 1687, (v.10)

Sermoens do P. Antonio Vieyra da Companhia de Iesv, prégador de Sua Alteza: Quinta parte. Lisboa, Miguel Deslandes, 1689. (v.5)

Sermoens do P. Antonio Vieyra da Companhia de Iesv, prégador de Sua Alteza: Sexta Parte. Lisboa, Miguel Deslandes, 1690 (v.6)
 
Palavra de Deos empenhada, e desempenhada: empenhada no Sermam das exequias da Rainha N. S. Dona Maria Francisca Isabel de Saboya; desempenhada no Sermam de acçam de graças/ pelo nascimento do Principe D. Joaõ primoge-/nito de SS. Magestades...  Prégou hum, & outro o P. Antonio Vieyra...O primeyro. na Igreja da Misericordia da Bahia, em 11. de Setembro, ... de 1684. O segundo na Cathedral da mesma cidade, em 16. de Dezembro, ... de 1688. Lisboa, na officina de Miguel Deslandes, 1690 (v. 13) (*)

Sermoens do P. Antonio Vieyra da Companhia de Iesv, prégador de Sua Alteza: Septima parte. Lisboa, Miguel Deslandes, 1692 (v.7)
 
Xavier dormindo, e Xavier acordado: dormindo, em tres Orações panegyricas no triudo da sua festa, dedicadas aos tres principes que a Rainha Nossa Senhora confessa dever à intercessão do mesmo santo; acordado em doze Sermoens panegyricos, moraes, & Asceticos, os nove da sua novena, o decimo da sua canonização, o undecimo de seu patrocinio, author o Padre Antonio Vieyra da Companhia de Jesu, prègador de Sua Magestade. Oitava parte. Lisboa, Miguel Deslandes, 1694.(v.8)
 
Sermoens do P. Antonio Vieyra da Companhia de Iesv, prégador de Sua Alteza: Undecima parte, offerecida à serenissima Rainha da Grã-Bretanha. Lisboa, Miguel Deslandes, 1696.(v. 11)
 
Sermoens do P. Antonio Vieyra da Companhia de Iesv, prégador de Sua Alteza: Parte duodecima dedicada à purissima conceição da Virgem Maria senhora nossa. Lisboa, Miguel Deslandes, 1699. (v.12)
 
Sermoens, e varios discvrsos do Padre Antonio Vieyra da Companhia de Jesu , prégador de sua magestade. tomo XIV obra posthuma dedicada a' purissima conceiçam da Virgem Maria Nossa Senhora. Lisboa: Valentim da costa deslandes, 1710.(*)
 
Sermões varios, e tratados, ainda naõ impressos , do grande padre Antonio Vieyra da Companhia de Jesus; offerecidos a' Magestade Delrey D. Joaõ V. Nosso Senhor, pelo p. André de Barros da Companhia de Jesus. tomo XV. e de Vozes Saudosas tomo II. Lisboa: Manoel da Sylva, 1748 (*)

(*)Os volumes XIV e XV são póstumos e não foram organizados por Vieira, mas pelo jesuíta André de Barros, que contabilizou como volume XIII o Palavra de Deus empenhada.


As obras podem ser consultadas na Biblioteca Nacional Digital em: http://purl.pt/index/geral/aut/PT/21890.html

Música do tempo de Vieira


Gaspar Fernandes (1566-1629): XICOCHI CONETZINTLE-XOCHIPITZAHUAC
Villancico supostamente composto utilizando a língua dos índios

Biografia de Padre António Vieira


Vieira e a educação jesuítica
 entrevista com Alcir Pécora, da UNICAMP 
Cursos Livres da Univesp TV

Sermões






Antes, porém, que vos vades, assim como ouvistes os vossos louvores, ouvi também agora as vossas repreensões. Servir-vos-ão de confusão, já que não seja de emenda. A primeira cousa que me desedifica, peixes, de vós, é que vos comeis uns aos outros. Grande escândalo é este, mas a circunstância o faz ainda maior. Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos mal. Se os pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande. Olhai como estranha isto Santo Agostinho: Homines pravis, praeversisque cupiditatibus facti sunt, sicut pisces invicem se devorantes: «Os homens com suas más e perversas cobiças, vêm a ser como os peixes, que se comem uns aos outros.» Tão alheia cousa é, não só da razão, mas da mesma natureza, que sendo todos criados no mesmo elemento, todos cidadãos da mesma pátria e todos finalmente irmãos, vivais de vos comer! Santo Agostinho, que pregava aos homens, para encarecer a fealdade deste escândalo, mostrou-lho nos peixes; e eu, que prego aos peixes, para que vejais quão feio e abominável é, quero que o vejais nos homens.

Sermão de Santo António aos Peixes, IV

Conceito predicável





Chama-se "conceito predicável" ao texto bíblico que serve de tema e que irá ser desenvolvido de acordo com a intenção e objetivo do autor; assenta em "figuras" ou alegorias através das quais se pretende alcançar uma demonstração de fé, ou verdades morais, ou até juízos proféticos. O texto bíblico torna-se pretexto para construções mentais, jogos de conceitos e de palavras, pondo em destaque o virtuosismo do orador, de acordo, aliás, com a estética barroca.


Padre António Vieira recorre, com frequência, ao método de argumentação a partir de "conceitos predicáveis", como sucede no Sermão de Santo António aos Peixes, quando inicia o sermão com a expressão bíblica Vos estis sal terræ.


http://www.infopedia.pt/$conceito-predicavel

Música do tempo de Vieira


Estêvão Lopes Morago (c.1575-c. 1630): Laudate Pueri

Toponímia de Vieira




Nomes de ruas

Iconografia de Padre António Vieira





Moedas Comemorativas

Santo António



 
Santo António de Lisboa, também conhecido como Santo António de Pádua (Lisboa, 15 de Agosto de 1191-1195 ? — Pádua, 13 de Junho de 1231), de sobrenome incerto mas batizado como Fernando, foi um Doutor da Igreja que viveu na viragem dos séculos XII e XIII.

Primeiramente foi frade agostiniano, tendo ingressado como noviço no Convento de São Vicente de Fora, em Lisboa, indo posteriormente para o Convento de Santa Cruz, em Coimbra, onde aprofundou os seus estudos religiosos através da leitura Bíblia e da literatura patrística, científica e clássica. Tornou-se franciscano em 1220 e viajou muito, vivendo inicialmente em Portugal, depois na Itália e na França. No ano de 1221 passou a fazer parte do Capítulo Geral da Ordem de Assis, a convite do próprio Francisco, o fundador, que o convidou também a pregar contra os albigenses em França. Foi transferido depois para Bolonha e de seguida para Pádua, onde morreu aos 36 (ou 40) anos.

A sua fama de santidade levou-o a ser canonizado pela Igreja Católica pouco depois de falecer, distinguindo-se como teólogo, místico, asceta e sobretudo como notável orador e grande taumaturgo. Santo António de Lisboa é também tido como um dos intelectuais mais notáveis de Portugal do período pré-universitário. Tinha grande cultura, documentada pela coletânea de sermões escritos que deixou, onde fica evidente que ele estava familiarizado tanto com a literatura religiosa como com diversos aspectos das ciências profanas, referenciando-se em autoridades clássicas como Plínio, o Velho, Cícero, Séneca, Boécio, Galeno e Aristóteles, entre muitas outras. Seu grande saber o tornou uma das mais respeitadas figuras da Igreja Católica de seu tempo. Lecionou em universidades italianas e francesas e foi o primeiro Doutor da Igreja franciscano. São Boaventura disse que ele possuía a ciência dos anjos. Hoje é visto como um dos grandes santos do Catolicismo, recebendo larga veneração e sendo o centro de rico folclore.

Sermões






Enfim, que havemos de pregar hoje aos peixes? Nunca pior auditório. Ao menos têm os peixes duas boas qualidades de ouvintes: ouvem e não falam. Uma só cousa pudera desconsolar ao pregador, que é serem gente os peixes que se não há-de converter. Mas esta dor é tão ordinária, que já pelo costume quase se não sente. Por esta causa mão falarei hoje em Céu nem Inferno; e assim será menos triste este sermão, do que os meus parecem aos homens, pelos encaminhar sempre à lembrança destes dois fins. (...)

Vindo pois, irmãos, às vossas virtudes, que são as que só podem dar o verdadeiro louvor, a primeira que se me oferece aos olhos hoje, é aquela obediência com que, chamados, acudistes todos pela honra de vosso Criador e Senhor, e aquela ordem, quietação e atenção com que ouvistes a palavra de Deus da boca de seu servo António. Oh grande louvor verdadeiramente para os peixes e grande afronta e confusão para os homens! Os homens perseguindo a António, querendo-o lançar da terra e ainda do Mundo, se pudessem, porque lhes repreendia seus vícios, porque lhes não queria falar à vontade e condescender com seus erros, e no mesmo tempo os peixes em inumerável concurso acudindo à sua voz, atentos e suspensos às suas palavras, escutando com silêncio e com sinais de admiração e assenso (como se tiveram entendimento) o que não entendiam. Quem olhasse neste passo para o mar e para a terra, e visse na terra os homens tão furiosos e obstinados e no mar os peixes tão quietos e tão devotos, que havia de dizer? Poderia cuidar que os peixes irracionais se tinham convertido em homens, e os homens não em peixes, mas em feras. Aos homens deu Deus uso de razão, e não aos peixes; mas neste caso os homens tinham a razão sem o uso, e os peixes o uso sem a razão.

Sermão de Santo António aos Peixes, II

Barroco


Interior da Igreja de São Francisco em Salvador da Baía.
O esplendor do barroco brasileiro.

D. João IV


Retrato de D. João IV, o Restaurador, 
grande admirador de Padre António Vieira, 
e a quem este prestou grandes serviços de diplomacia.

Edições de Padre António Vieira

Algumas Coleções








Biografia de Padre António Vieira





Vieira no Brasil

O padre António Vieira (1608-1697) desembarcou em São Luís do Maranhão, em 16 de janeiro de 1653, à frente de pequeno grupo de padres. A cidade abrigava cerca de 600 famílias e colonos vivendo em palhoças. A grande maioria dos historiadores considera que Vieira se imbuiu do maior espírito missionário possível no longo período em que atuou como Superior das aldeias jesuíticas no norte. É verdade.

Entre 1653 e 1661, Vieira percorreu extenso território visitando Belém do Pará, a serra de Ibiapaba no Ceará e diversas partes do Maranhão. Viajava em comboios de canoas protegidas por índios flecheiros, atentos a qualquer ruído que sinalizasse a presença de inimigos. Era uma navegação perigosa na imensidão dos rios amazónicos, silêncio apenas rompido pelo barulho dos bichos. Vieira já era veterano de viagens perigosas no mar, entre tempestades e corsários, mas não conhecia nada daquele mundo de riachos, canais e igarapés que adornavam o Tapajós, o Tocantins e o Amazonas, rio-mar, em cuja foz os grandes rios desembocavam.



A correspondência de Vieira, aqui e ali, demonstra a melancolia de seu estado de espírito, sobretudo nos primeiros meses, ainda que nas cartas oficiais ao rei ou autoridades jesuíticas prevalecesse o ânimo missionário e a postura combativa. Para quem tinha percorrido metrópoles europeias, com seus palácios e monumentos, discutindo em Paris ou Haia elevadas questões de Estado, aquele mundo silvestre era quase uma provação. Com o passar do tempo, Vieira se habituou àquela vida rústica e por vezes até se vangloriou de passar por tudo aquilo, quase um martírio.



No Maranhão, dedicou-se obsessivamente a construir a missionação e a combater o ânimo esclavagista dos colonos durante o dia. À noite, estudava as profecias de Bandarra (1500-1556), sapateiro e profeta português que escreveu trovas de caráter messiânico. Quase nada no mundo parecia sensibilizá-lo, fosse a natureza exuberante, como no Brasil, fosse a beleza arquitectónica, como nas cidades europeias. Gostava de ler, escrever e discursar no púlpito, além de negociar assuntos espinhosos em gabinetes fechados com poderosos.



Apesar de sua experiência de campo ser modesta, António Vieira tinha inegáveis qualidades para organizar a missionação dos índios do norte. Havia quase um quarto de século que não pisava em aldeamentos indígenas, mas sua capacidade de liderança compensava. Os padres da missão maranhense obedeciam cegamente às suas ordens, muitos orgulhosos, todos maravilhados em ter um comandante daquela estirpe. Atuou antes de tudo como supervisor, estrategista da missionação, nem tanto como catequista.

Vieira alertava os bravos missionários dos perigos daquela “dificultosíssima empresa”, porém lembrava que a morte em martírio era o que de melhor se poderia esperar desta vida.

António Vieira exprimia, na verdade, uma versão radical do jesuitismo missionário, empenhado em destroçar os costumes e crenças indígenas. Os seus colegas pensavam do mesmo modo, embora tentassem compreender as línguas nativas, os símbolos, os costumes, como fez Anchieta, para utilizá-los a favor da missão. A diferença é que muitos deles conseguiram ultrapassar a fronteira da divergência cultural a ponto de pensarem nos costumes nativos como regras a serem aprendidas. Vieira não chegou a tal ponto. Não saiu da trincheira católica e só se dedicava a estudar os costumes nativos com propósitos instrumentais. 



Há registo, porém, não se sabe se verdadeiro ou lendário, que chegou a compor um catecismo em seis línguas diferentes, além de um diálogo evangelizador, similar ao Diálogo sobre a conversão do gentio, do padre Manuel da Nóbrega (1517-1570), que chefiou a primeira missão jesuítica na América. Mas tanto o catecismo plurilinguístico como o tal diálogo desapareceram. 

Vieira não abandonou, portanto, a velha estratégia de conquistar a alma indígena por meio de símbolos da cultura nativa. Chegou a recomendar, em uma carta de instrução, que se deviam incorporar máscaras e cascavéis nas danças das procissões, “para mostrar os gentios que a lei dos cristãos não era triste”. Recomendou muita pompa nos batismos, sempre “necessária aos olhos da gente rude, que só se governa pelos sentidos”, muita tinta nos sepulcros. O padre acreditava que os índios apreciavam tudo que fosse colorido.

Ronaldo Vaifnas

Iconografia de Padre António Vieira


Vieira, em gravura do século XVIII, embarca à força para sair do Maranhão

Música do tempo de Vieira


Diogo Dias Melgaz (1638-1700): Lamentações para Quinta-feira Santa

Compositor nascido em Cuba, no Alentejo

Jesuítas





Ratio Studiorum é uma espécie de coletânea privada destinada a  instruir rapidamente os jesuítas sobre a natureza, a extensão e as obrigações do seu cargo. A Ratio surgiu com a necessidade de unificar o procedimento pedagógico dos jesuítas diante da explosão do número de colégios confiados à Companhia de Jesus como base de uma expansão missionária. 
Constituiu uma sistematização da pedagogia jesuítica, contendo 467 regras e cobrindo todas as atividades dos agentes diretamente ligados ao ensino e recomendava ao professor que nunca se afastasse em matéria filosófica de Aristóteles, e teológica de Santo Tomás de Aquino

Em 1584, é nomeada uma comissão encarregada de codificar as observações que foram reunidas em Roma. O ante-projeto, redigido em 1586, depois de haver sido submetido às críticas dos executores e de ter sido reformulado por uma nova comissão, toma forma definitiva na famosa Ratio Studiorum, promulgada em 8 de janeiro de 1599.

Índios do Brasil




Nos primeiros séculos, o índio era retratado como um selvagem, um "quase-animal" que deveria ser domesticado ou derrotado. 



No século XIX houve uma reviravolta, e o índio passou a ser tratado como o "bom selvagem". Essa concepção aprofundou-se no século XX, trazendo a ideia de que o índio era dono de uma moral intangível, sendo uma vítima indefesa da crueldade europeia, tendo como destino combater os europeus ou se submeter a eles. Nessa concepção, os índios viviam em harmonia nas Américas, até que chegaram os portugueses e semearam guerras, destruíram pessoas, culturas e plantas. Esse discurso até hoje produz eco nos meios popular e escolar brasileiros. Porém, nas últimas décadas, as novas produções históricas têm dado visibilidade a uma outra análise da questão indígena. Sem negar a violência com que muitos europeus trataram os indígenas, a História tem passado a tratar o índio não como uma vítima passiva da colonização europeia, mas também como um agente que interferiu e teve papel fundamental nesse processo.




Sem a ajuda dos índios, a colonização europeia em diversos pontos das Américas teria sido impraticável. No Brasil, muitos índios se beneficiaram com a chegada dos portugueses. Os índios tupis do litoral viviam envolvidos em guerras com outros índios. Muitos índios se aliaram aos portugueses visando exterminar grupos indígenas inimigos. Caso emblemático foi a Guerra dos Tamoios, travada no Rio de Janeiro nos anos de 1556 e 1557. Os tupiniquins e os temiminós ajudaram os portugueses a expulsar os franceses da região, e depois contaram com o apoio português para exterminar seus inimigos antigos: os índios tupinambás, ou tamoios. Para um grupo indígena, um outro grupo indígena poderia ser tão "estrangeiro" quanto os portugueses, franceses, espanhóis ou holandeses eram para ele.




Os índios ajudaram os portugueses a escravizar e a exterminar outros índios. As bandeiras, expedições coloniais que visavam a escravização indígena, eram formadas maioritariamente por índios e alguns poucos não índios, denominados paulistas, eles próprios maioritariamente mestiços de mãe indígena e pai europeu.


 

A aliança entre índios e portugueses proporcionou vantagens para ambos os lados. Os índios beneficiavam com a presença portuguesa, contando com o seu apoio para exterminar tribos inimigas. As novas tecnologias trazidas pelos portugueses e desconhecidas dos índios provocaram uma revolução e um melhoramento na vida das tribos. Tecnologias como o anzol facilitaram enormemente a pesca, o uso do machado diminuiu em várias horas o trabalho despendido para se cortar coisas, a introdução de novos alimentos, como a banana, a jaca, a manga e a laranja diminuíram o estorvo que era para se obter comida nas tribos ou até mesmo a introdução do cavalo e do cachorro domesticado, que protegia as tribos de ameaças. Para os portugueses também houve benefícios: os índios aliados protegiam as povoações e guiavam os colonos nas suas expedições.

Inquisição






A Inquisição Portuguesa tinha de cobrir todos os territórios do império ultramarino português, tendo sido particularmente rigorosa em Portugal e menos violenta na Índia. É natural que hoje sejam recordados somente os casos mais marcantes que tenham comovido ou irado as populações, contentes ou não pelos resultados dos julgamentos feitos. Foi decretada uma lei que proibia a todos de apedrejarem, cuspirem, ou insultarem os réus e os condenados. Contudo eram as crianças que apedrejavam de forma "desculpável".

Foi pedida inicialmente por D. Manuel I de Portugal, para cumprir o acordo de casamento com Maria de Aragão. A 17 de dezembro de 1531 Clemente VII pela bula Cum ad nihil magis a instituiu em Portugal, mas um ano depois anulou a decisão. Em 1533 concedeu a primeira bula de perdão aos cristãos-novos portugueses. D. João III, filho da mesma Dª Maria, renovou o pedido e encontrou ouvidos favoráveis no novo Papa, Paulo III que cedeu, em parte por pressão de Carlos V de Habsburgo.

Em 23 de maio de 1536, por outra bula em tudo semelhante à primeira, foi instituída a Inquisição em Portugal. Sua primeira sede foi Évora, onde se achava a corte. Tal como nos demais reinos ibéricos, tornou-se um tribunal ao serviço da Coroa.

A bula Cum ad nihil magis foi publicada em Évora, onde então residia a Corte, em 22 de outubro de 1536. Toda a população foi convidada a denunciar os casos de heresia de que tivesse conhecimento. No ano seguinte, o monarca voltou para Lisboa e com ele o novo Tribunal. O primeiro livro de denúncias tomadas na Inquisição, iniciado em Évora, foi continuado em Lisboa, a partir de Janeiro de 1537. Em 1539 o cardeal D. Henrique, irmão de D. João III de Portugal e depois ele próprio rei, tornou-se inquisidor geral do reino.

Até 1541, data em que foram criados os tribunais de Coimbra, Porto, Lamego, Tomar e Évora, existia apenas a Inquisição portuguesa que funcionava junto à Corte em Lisboa. As Habilitações de Familiares para o Santo Ofício eram feitas para a Inquisição de Coimbra (Entre Douro e Minho, Trás os Montes e Alto Douro e Beiras), a Inquisição de Lisboa (Estremadura, Ribatejo, Ilhas e Ocidente), a Inquisição de Évora (Alentejo e Algarve) e, mais tarde, também para a Inquisição de Goa (Oriente). Em 1543-1545 a Inquisição de Évora efectuou diversas visitações à sua área jurisdicional. Mas em 1544, o Papa mandou suspender a execução de sentenças da Inquisição portuguesa e o autos-de-fé sofreram uma interrupção.

Foram, então, redigidas as primeiras instruções para o seu funcionamento, assinadas pelo cardeal D. Henrique, e datadas de Évora, a 5 de Setembro. O primeiro regimento só seria dado em 1552. Em 1613, 1640 e 1774, seriam ordenados novos regimentos por D. Pedro de Castilho, D. Francisco de Castro e pelo Cardeal da Cunha, respectivamente.






O Barroco


Teto da Igreja de Nossa Senhora do Prazeres, Beja


O Barroco nasceu na Itália, na passagem do século XVI para o século XVII, durante uma das maiores crises espirituais da Europa: a Reforma Protestante, que cindiu a antiga unidade religiosa do continente e provocou um rearranjo político internacional em que a Igreja Católica, outrora todo-poderosa, perdeu força e espaço.

Foi um estilo de reação contra o classicismo do Renascimento, cujas bases giravam em torno da simetria, da proporcionalidade, da economia, da racionalidade e do equilíbrio formal. Assim, a estética barroca primou pela assimetria, pelo excesso, pelo expressivo e pela irregularidade, tanto que o próprio termo "barroco", que nomeou o estilo, designava uma pérola de formato bizarro e irregular. 

Além de uma tendência estética, esses traços constituíram uma verdadeira forma de vida e deram o tom a toda a cultura do período, uma cultura que enfatizava o contraste, o conflito, o dinâmico, o dramático, o grandiloquente, a dissolução dos limites, juntamente com um gosto acentuado pela opulência de formas e materiais, tornando-se um veículo perfeito para a Igreja Católica da Contra-Reforma e as monarquias absolutistas em ascensão expressarem visivelmente seus ideais de glória e pompa. 

As estruturas monumentais erguidas durante o Barroco, como os palácios e os grandes teatros e igrejas, tinham com objetivo criar um impacto de natureza espetacular e exuberante, propondo uma integração entre as várias linguagens artísticas e prendendo o observador numa atmosfera catártica, apoteótica, envolvente e apaixonada. 

Essa estética teve uma grande aceitação na Península Ibérica, especialmente em Portugal, cuja cultura, além de essencialmente católica e monárquica, em que se uniam oficialmente Igreja e Estado e se delimitavam fronteiras pouco claras e indistintas entre o público e o privado, estava impregnada de milenarismo e do misticismo herdado dos árabes e judeus, favorecendo uma religiosidade omnipresente e supersticiosa, caracterizada pela intensidade emocional. De Portugal o movimento passou às suas colónias.

Texto consultado e adaptado daqui: http://pt.wikipedia.org/wiki/Barroco_no_Brasil

André Reinoso (fl. 1610-1641): Adoração dos Pastores


André Reinoso (fl. 1610-1641):São Francisco Xavier em Goa

Martim Conrado: Onze Mil Virgens





Música do tempo de Vieira


Claudio Monteverdi (1567-1643): Magnificat Primo

Pregadores


  


São Mateus V, 13


Vos estis sal terrae! Quod si sal evanuerit in quo sallietur? Ad nihilum valet ultra nisi ut mittatur foras et conculcetur ab hominibus.

Vulgata


Vós sois o sal da terra! Ora se o sal se corromper, com que se há-de salgar? Não serve para mais nada, senão para para ser lançado fora e ser pisado pelos homens.





    Suposto, pois, que ou o sal não salgue ou a terra se não deixe salgar; que se há-de fazer a este sal e que se há-de fazer a esta terra? O que se há-de fazer ao sal que não salga, Cristo o disse logo: Quod si sal evanuerit, in quo salietur? Ad nihilum valet ultra, nisi ut mittatur foras et conculcetur ab hominibus. «Se o sal perder a substância e a virtude, e o pregador faltar à doutrina e ao exemplo, o que se lhe há-de fazer, é lançá-lo fora como inútil para que seja pisado de todos.» Quem se atrevera a dizer tal cousa, se o mesmo Cristo a não pronunciara? Assim como não há quem seja mais digno de reverência e de ser posto sobre a cabeça que o pregador que ensina e faz o que deve, assim é merecedor de todo o desprezo e de ser metido debaixo dos pés, o que com a palavra ou com a vida prega o contrário.

Sermão de Santo António aos Peixes, I