quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Contemporâneos de Vieira





Gregório de Matos (1636-1695), poeta contemporâneo de Padre António Vieira, conhecido por  boca do inferno pela sua ousadia ao criticar a Igreja Católica, muitas vezes ofendendo padres e freiras.

 
Tristes sucessos, casos lastimosos,
Desgraças nunca vistas, nem faladas.
São, ó Bahia, vésperas choradas
De outros que estão por vir estranhos
Sentimo-nos confusos e teimosos
Pois não damos remédios as já passadas,
Nem prevemos tampouco as esperadas
Como que estamos delas desejosos.
Levou-me o dinheiro, a má fortuna,
Ficamos sem tostão, real nem branca,
macutas, correão, nevelão, molhos:
Ninguém vê, ninguém fala, nem impugna,
E é que quem o dinheiro nos arranca,
Nos arrancam as mãos, a língua, os olhos.

 
Conselhos a qualquer tolo 
para parecer fidalgo, rico e discreto
Bote a sua casaca de veludo,
E seja capitão sequer dois dias,   
Converse à porta de Domingos Dias,   
Que pega fidalguia mais que tudo.   

Seja um magano, um pícaro, um cornudo,
Vá a palácio, e após das cortesias   
Perca quanto ganhar nas mercancias,
E em que perca o alheio, esteja mudo.   

Sempre se ande na caça e montaria,   
Dê nova solução, novo epíteto
E diga-o, sem propósito, à porfia;   

Quem em dizendo: "facção, pretexto, efecto".
Será no entendimento da Bahia
Mui fidalgo, mui rico, e mui discreto.

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