quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Biografia de Padre António Vieira





Vieira no Brasil

O padre António Vieira (1608-1697) desembarcou em São Luís do Maranhão, em 16 de janeiro de 1653, à frente de pequeno grupo de padres. A cidade abrigava cerca de 600 famílias e colonos vivendo em palhoças. A grande maioria dos historiadores considera que Vieira se imbuiu do maior espírito missionário possível no longo período em que atuou como Superior das aldeias jesuíticas no norte. É verdade.

Entre 1653 e 1661, Vieira percorreu extenso território visitando Belém do Pará, a serra de Ibiapaba no Ceará e diversas partes do Maranhão. Viajava em comboios de canoas protegidas por índios flecheiros, atentos a qualquer ruído que sinalizasse a presença de inimigos. Era uma navegação perigosa na imensidão dos rios amazónicos, silêncio apenas rompido pelo barulho dos bichos. Vieira já era veterano de viagens perigosas no mar, entre tempestades e corsários, mas não conhecia nada daquele mundo de riachos, canais e igarapés que adornavam o Tapajós, o Tocantins e o Amazonas, rio-mar, em cuja foz os grandes rios desembocavam.



A correspondência de Vieira, aqui e ali, demonstra a melancolia de seu estado de espírito, sobretudo nos primeiros meses, ainda que nas cartas oficiais ao rei ou autoridades jesuíticas prevalecesse o ânimo missionário e a postura combativa. Para quem tinha percorrido metrópoles europeias, com seus palácios e monumentos, discutindo em Paris ou Haia elevadas questões de Estado, aquele mundo silvestre era quase uma provação. Com o passar do tempo, Vieira se habituou àquela vida rústica e por vezes até se vangloriou de passar por tudo aquilo, quase um martírio.



No Maranhão, dedicou-se obsessivamente a construir a missionação e a combater o ânimo esclavagista dos colonos durante o dia. À noite, estudava as profecias de Bandarra (1500-1556), sapateiro e profeta português que escreveu trovas de caráter messiânico. Quase nada no mundo parecia sensibilizá-lo, fosse a natureza exuberante, como no Brasil, fosse a beleza arquitectónica, como nas cidades europeias. Gostava de ler, escrever e discursar no púlpito, além de negociar assuntos espinhosos em gabinetes fechados com poderosos.



Apesar de sua experiência de campo ser modesta, António Vieira tinha inegáveis qualidades para organizar a missionação dos índios do norte. Havia quase um quarto de século que não pisava em aldeamentos indígenas, mas sua capacidade de liderança compensava. Os padres da missão maranhense obedeciam cegamente às suas ordens, muitos orgulhosos, todos maravilhados em ter um comandante daquela estirpe. Atuou antes de tudo como supervisor, estrategista da missionação, nem tanto como catequista.

Vieira alertava os bravos missionários dos perigos daquela “dificultosíssima empresa”, porém lembrava que a morte em martírio era o que de melhor se poderia esperar desta vida.

António Vieira exprimia, na verdade, uma versão radical do jesuitismo missionário, empenhado em destroçar os costumes e crenças indígenas. Os seus colegas pensavam do mesmo modo, embora tentassem compreender as línguas nativas, os símbolos, os costumes, como fez Anchieta, para utilizá-los a favor da missão. A diferença é que muitos deles conseguiram ultrapassar a fronteira da divergência cultural a ponto de pensarem nos costumes nativos como regras a serem aprendidas. Vieira não chegou a tal ponto. Não saiu da trincheira católica e só se dedicava a estudar os costumes nativos com propósitos instrumentais. 



Há registo, porém, não se sabe se verdadeiro ou lendário, que chegou a compor um catecismo em seis línguas diferentes, além de um diálogo evangelizador, similar ao Diálogo sobre a conversão do gentio, do padre Manuel da Nóbrega (1517-1570), que chefiou a primeira missão jesuítica na América. Mas tanto o catecismo plurilinguístico como o tal diálogo desapareceram. 

Vieira não abandonou, portanto, a velha estratégia de conquistar a alma indígena por meio de símbolos da cultura nativa. Chegou a recomendar, em uma carta de instrução, que se deviam incorporar máscaras e cascavéis nas danças das procissões, “para mostrar os gentios que a lei dos cristãos não era triste”. Recomendou muita pompa nos batismos, sempre “necessária aos olhos da gente rude, que só se governa pelos sentidos”, muita tinta nos sepulcros. O padre acreditava que os índios apreciavam tudo que fosse colorido.

Ronaldo Vaifnas

Sem comentários:

Enviar um comentário