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sábado, 1 de dezembro de 2012

Sermões

     


     O sermão faz parte da missa e deve ser proferido logo após o evangelho. Dessa maneira fica explicada a impossibilidade de, ao menos em um primeiro momento, não seguir os assuntos específicos à data litúrgica do culto:
 
       (...) Si ha de aver Sermon, ha de ser acabado el Envangelio...El celebrante, y los Diaconos se iràn `a sentar mientras el Sermon y se cubriran, si el Santíssimo no està patente: el Predicador descubrirá la cabeza, si nombrare el nombre de Jesus, ò de Maria Santíssima, ò del Santo quese celebra...

(Bartolomé, 1726)
     

     Dada a circunstância na qual o sermão devia ser proferido, não é de se admirar que os sermões pregados nas domingas do Advento tenham como ponto de partida trechos das passagens bíblicas determinadas pela Igreja para celebrar as datas: para o primeiro domingo, S.Lucas XXI, para o segundo, S. Mateus XI e para o terceiro, S.João I.

     Percebe-se daí que o primeiro constrangimento do sermão sacro, enquanto universo de discurso, está na obediência aos lugares específicos. O segundo, está na maneira correta de se interpretar a escritura, lembremo-nos de que o pregador que não seguisse a interpretação “oficial” poderia ser acusado por blasfêmia, pois não obedecer às regras de interpretação teológica era corromper a palavra divina. A interpretação teológica devia pautar-se no simbolismo evangélico e objetivar a correta decifração da verdade da escritura.

     O simbolismo evangélico acompanha os lugares específicos aos assuntos de que trata o orador sacro e consiste em utilizar cenas do antigo testamento como metáforas para que o novo testamento fosse entendido de maneira conveniente. 

     Vale frisar que um dos primeiros objetos de estudo do aspirante à ordem jesuítica está relacionado ao aprendizado desta maneira de raciocinar e conhecer a doutrina por meio de exercícios espirituais e disputas de oratória. Eram objeto de disputas e de inspiração dos exercícios os sacramentos da Igreja, os mistérios de Cristo, o apocalipse, a figura de Maria e toda a temática referente à conversão.
 
     Na época da Contra-Reforma, o pregador tinha por função interpretar o que estava na Bíblia. Interpretar textos bíblicos significava, então, explicitar sentidos que estavam ocultos na escritura. Segundo esta concepção, as personagens bíblicas e os feitos ocorridos funcionavam como figuras cujo desvendamento só o orador sacro, representante da Igreja, estava autorizado a fazer. Por ser um representante de Deus, atribuía-se ao orador o papel de conselheiro espiritual que tinha por obrigação moral alertar para as conseqüências de atos e sentimentos pecaminosos, orientando à vida venturosa que levaria os fiéis ao reino de Deus.

     Haja vista as responsabilidades imputadas ao orador, é possível imaginar a relação que havia entre Vieira e seu auditório: este esperava que o sentido do texto bíblico fosse desvendado; aquele construía um ethos (imagem forjada pelo orador por meio de seu discurso) de quem tem autoridade e sabedoria para convencer o auditório de que a interpretação correspondia ao sentido verdadeiro do texto bíblico. 

     Uma vez desvendado o sentido dos textos bíblicos, o orador poderia comparar o prescrito pelo sagrado aos fatos mundanos e fazer juízos de valor, aconselhando o que está de acordo com as leis divinas.

     Com base nas informações que temos sobre o universo de discurso sacro, é possível imaginar seu sistema de enunciação típico. Para cada data do calendário litúrgico, há um tema e uma passagem bíblica pré-determinadas. A missa se organiza ao redor delas. Proferido o evangelho, o orador sacro começa a proferir seu discurso cujo ponto de partida é uma parte da citação anterior.

     Esperava-se que seu discurso descobrisse o sentido oculto da escritura. Havia também, por parte do auditório, a expectativa de que o orador se valeria de imagens, de processos metafóricos, de lugares específicos ao assunto de lugares gerais e outros artifícios postulados pela Retórica Antiga. Feita a interpretação bíblica, a parte dedicada à crítica e à censura dos fiéis finalizaria o sermão.

Márcia Sipavicius Seide, O Sermão do Mandato, análise literária e adequação histórica

Sermões


Não são só ladrões, diz o santo, os que cortam bolsas ou espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa: os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. — Os outros ladrões roubam um homem: estes roubam cidades e reinos; os outros furtam debaixo do seu risco: estes sem temor, nem perigo; os outros, se furtam, são enforcados: estes furtam e enforcam. Diógenes, que tudo via com mais aguda vista que os outros homens, viu que uma grande tropa de varas e ministros de justiça levavam a enforcar uns ladrões, e começou a bradar: — Lá vão os ladrões grandes a enforcar os pequenos. — Ditosa Grécia, que tinha tal pregador! E mais ditosas as outras nações, se nelas não padecera a justiça as mesmas afrontas! Quantas vezes se viu Roma ir a enforcar um ladrão, por ter furtado um carneiro, e no mesmo dia ser levado em triunfo um cônsul, ou ditador, por ter roubado uma província.

Sermão do Bom Ladrão

Edições de Padre António Vieira


A mais recente edição completa dos Sermões, de Padre António Vieira (2008)

edição filológica do  
em colaboração com a Imprensa Nacional - Casa da Moeda
Uma edição coordenada pelo Prof. Dr. Arnaldo do Espírito Santo

Sermões





Sermão de Santo António aos Peixes
dito por 
José Carlos Ary dos Santos



quinta-feira, 22 de novembro de 2012

NON




Terrível palavra é o NON. Não tem direito nem avesso: por qualquer lado que o tomeis, sempre soa e diz o mesmo. Lede-o do princípio para o fim, ou do fim para o princípio, sempre é NON. Quando a vara de Moisés se converteu naquela serpente tão feroz, que fugia dela porque o não mordesse, disse-lhe Deus que a tomasse ao revés, e logo perdeu a figura, a ferocidade e a peçonha. O NON não é assim: por qualquer parte que o tomeis sempre é serpente, sempre morde, sempre fere, sempre leva o veneno consigo. Mata a esperança que é o último remédio que deixou a natureza a todos os males. Não há correctivo que o modere nem arte que o abrande, nem lisonja que o adoce. Por mais que o enfeiteis, um NÃO sempre amarga; por mais que o enfeiteis, sempre é feio; por mais que o doireis, sempre é ferro.

NON, Terrível palavra é o NON

Sermões






Antes, porém, que vos vades, assim como ouvistes os vossos louvores, ouvi também agora as vossas repreensões. Servir-vos-ão de confusão, já que não seja de emenda. A primeira cousa que me desedifica, peixes, de vós, é que vos comeis uns aos outros. Grande escândalo é este, mas a circunstância o faz ainda maior. Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos mal. Se os pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande. Olhai como estranha isto Santo Agostinho: Homines pravis, praeversisque cupiditatibus facti sunt, sicut pisces invicem se devorantes: «Os homens com suas más e perversas cobiças, vêm a ser como os peixes, que se comem uns aos outros.» Tão alheia cousa é, não só da razão, mas da mesma natureza, que sendo todos criados no mesmo elemento, todos cidadãos da mesma pátria e todos finalmente irmãos, vivais de vos comer! Santo Agostinho, que pregava aos homens, para encarecer a fealdade deste escândalo, mostrou-lho nos peixes; e eu, que prego aos peixes, para que vejais quão feio e abominável é, quero que o vejais nos homens.

Sermão de Santo António aos Peixes, IV

Conceito predicável





Chama-se "conceito predicável" ao texto bíblico que serve de tema e que irá ser desenvolvido de acordo com a intenção e objetivo do autor; assenta em "figuras" ou alegorias através das quais se pretende alcançar uma demonstração de fé, ou verdades morais, ou até juízos proféticos. O texto bíblico torna-se pretexto para construções mentais, jogos de conceitos e de palavras, pondo em destaque o virtuosismo do orador, de acordo, aliás, com a estética barroca.


Padre António Vieira recorre, com frequência, ao método de argumentação a partir de "conceitos predicáveis", como sucede no Sermão de Santo António aos Peixes, quando inicia o sermão com a expressão bíblica Vos estis sal terræ.


http://www.infopedia.pt/$conceito-predicavel

Sermões






Enfim, que havemos de pregar hoje aos peixes? Nunca pior auditório. Ao menos têm os peixes duas boas qualidades de ouvintes: ouvem e não falam. Uma só cousa pudera desconsolar ao pregador, que é serem gente os peixes que se não há-de converter. Mas esta dor é tão ordinária, que já pelo costume quase se não sente. Por esta causa mão falarei hoje em Céu nem Inferno; e assim será menos triste este sermão, do que os meus parecem aos homens, pelos encaminhar sempre à lembrança destes dois fins. (...)

Vindo pois, irmãos, às vossas virtudes, que são as que só podem dar o verdadeiro louvor, a primeira que se me oferece aos olhos hoje, é aquela obediência com que, chamados, acudistes todos pela honra de vosso Criador e Senhor, e aquela ordem, quietação e atenção com que ouvistes a palavra de Deus da boca de seu servo António. Oh grande louvor verdadeiramente para os peixes e grande afronta e confusão para os homens! Os homens perseguindo a António, querendo-o lançar da terra e ainda do Mundo, se pudessem, porque lhes repreendia seus vícios, porque lhes não queria falar à vontade e condescender com seus erros, e no mesmo tempo os peixes em inumerável concurso acudindo à sua voz, atentos e suspensos às suas palavras, escutando com silêncio e com sinais de admiração e assenso (como se tiveram entendimento) o que não entendiam. Quem olhasse neste passo para o mar e para a terra, e visse na terra os homens tão furiosos e obstinados e no mar os peixes tão quietos e tão devotos, que havia de dizer? Poderia cuidar que os peixes irracionais se tinham convertido em homens, e os homens não em peixes, mas em feras. Aos homens deu Deus uso de razão, e não aos peixes; mas neste caso os homens tinham a razão sem o uso, e os peixes o uso sem a razão.

Sermão de Santo António aos Peixes, II

São Luís do Maranhão





Mapa de São Luís, em 1629


O Sermão de Santo António aos Peixes foi pregado em São Luís do Maranhão, no dia 13 de junho de 1654, três dias antes de Vieira embarcar para Lisboa.


Localização geográfica de São Luís do Maranhão




Fonte das Pedras, 1615, uma fonte que Vieira terá conhecido


Igreja da Sé de Nossa Senhora da Vitória, de 1654, reconstruída várias vezes


O rio Anil


O litoral de São Luís do Maranhão na atualidade


 São Luís do Maranhão na atualidade





Pregadores







Semen est verbum Dei. S. Lucas, VIII, 11 

      E se quisesse Deus que este tão ilustre e tão numeroso auditório saísse hoje tão desenganado da pregação, como vem enganado com o pregador! Ouçamos o Evangelho, e ouçamo-lo todo, que todo é do caso que me levou e trouxe de tão longe. Ecce exiit qui seminat, seminare. Diz Cristo que «saiu o pregador evangélico a semear» a palavra divina. Bem parece este texto dos livros de Deus. Não só faz menção do semear, mas também faz caso do sair: Exiit, porque no dia da messe hão-nos de medir a semeadura e hão-nos de contar os passos. O Mundo, aos que lavrais com ele, nem vos satisfaz o que dispendeis, nem vos paga o que andais. Deus não é assim. Para quem lavra com Deus até o sair é semear, porque também das passadas colhe fruto. Entre os semeadores do Evangelho há uns que saem a semear, há outros que semeiam sem sair. Os que saem a semear são os que vão pregar à Índia, à China, ao Japão; os que semeiam sem sair, são os que se contentam com pregar na Pátria. Todos terão sua razão, mas tudo tem sua conta. Aos que têm a seara em casa, pagar-lhes-ão a semeadura; aos que vão buscar a seara tão longe, hão-lhes de medir a semeadura e hão-lhes de contar os passos. Ah Dia do Juízo! Ah pregadores! Os de cá, achar-vos-eis com mais paço; os de lá, com mais passos: Exiit seminare.

Sermão da Sexagésima, I, "Exórdio"

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Pregadores




Vos estis sal terrae, Mateus, V, 13

       Vós, diz Cristo, Senhor nosso, falando com os pregadores, sois o sal da terra: e chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção; mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores não pregam a verdadeira doutrina; ou porque a terra se não deixa salgar e os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, a não querem receber. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores dizem uma cousa e fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que dizem. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores se pregam a si e não a Cristo; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, em vez de servir a Cristo, servem a seus apetites. Não é tudo isto verdade? Ainda mal!

Sermão de Santo António aos Peixes, I, "Exórdio"

Edições de Padre António Vieira


Uma edição escolar do Sermão de Santo António aos Peixes
para o Ensino Secundário